quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Por uma arte de intervenção

INSTALAÇÃO DE HÉLIO OITICICA: INTERFACES PENSADAS PARA INSERÇÃO SOCIAL DA ARTE. FOTO: DIVULGAÇÃO

A conversa começou com uma certa previsibilidade: uma questão sobre rádio, um dos objetos de interesse do professor Mauro Sá Rego Costa. Mas logo deslizou para uma prazerosa reflexão sobre artes em hibridismo, dissolução de fronteiras e a possível inserção social do trabalho dos artistas. Muitas referências e um incontido otimismo alinhavam a fala do professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, nesta conversa realizada durante a passagem de Mauro por Fortaleza.

Na cidade, ele ministrou a oficina Beuys, Lygia Clark, Oiticica: mudando o lugar da arte, na qual mostrou como esses artistas propuseram deslocamentos fundamentais para a História da Arte. E também palestrou sobe Rádio, Arte e Loucura, junto com a professora do Instituto de Cultura e Arte da UFC, Deisimer Gorczevski.

Confira a seguir trechos do bate-papo.

No seu trabalho, percebe-se uma perspectiva de “oxigenar” as ideias que associamos ao rádio, à programação radiofônica. Como esse interesse surgiu para o senhor e que rumos ele tomou?

Eu sempre trabalhei com arte e mídia. Fui jornalista, fiz televisão, direção e produção de vídeo... A única coisa com a qual eu não tinha mexido era rádio. Então, pintou a ideia de montar a rádio comunitária na faculdade em Caxias (Região Metropolitana do Rio de Janeiro), na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Montamos uma rádio com a população local. Mas o meu interesse não era só a rádio comunitária. Era pensar a arte do rádio, como fiz em relação a vídeo e outras áreas. Da mesma maneira como estou dando esse curso sobre pensamento em arte contemporânea (a entrevista foi realizada durante a oficina Beuys, Lygia Clark, Oiticica: mudando o lugar da arte, em 7 de dezembro de 2010), o rádio me interessa como meio de criação. Na verdade o rádio, desde o início, antes do rádio comercial, foi uma coisa experimental para muitos artistas. Isso, até a década de 50. O Samuel Beckett, dramaturgo, ele fazia programas de rádio. O (crítico literário e ensaísta alemão) Walter Benjamin fez programas de rádio, na Alemanha dos anos 40. O (poeta, escritor e dramaturgo francês) Antonin Artaud também. Todos esses artistas trabalharam com rádio não como uma mera... como esse rádio que a gente conhece.

Há ainda o (diretor de cinema, ator e roteirista) Orson Welles.

Sim, Orson Welles. Ele pega o Guerra dos Mundos (obra de H.G Wells) e transforma, ou finge que é um programa jornalístico, relatando uma invasão extraterrestre. São usos do rádio com uma dimensão maior do que acontece ou do que ouvimos no rádio. Tenho um grupo de pesquisa do CNPq, que produz um blog, reunindo oito pesquisadores. É o radioforum.wordpress.com. Lá, nós temos o registro de todo tipo de prática de rádio: radiodrama, radioarte, radiodocumentário, e a teoria sobre essas formas de fazer rádio. São as coisas que interessam a esse grupo.

O senhor acha que a arte contemporânea tem o poder de reabilitar as dimensões sensoriais que estão para além do visual?
Acho que cada vez mais. A pesquisadora Lilian Zaremba, que participa do Rádio Fórum, foi casada com o Tunga (Antônio José de Barros de Carvalho e Melo Mourão), que é um dos maiores escultores brasileiros. Frequentemente ela vai junto com o Tunga, como foi para a documenta de Kassel. Ela faz todo um trabalho sonoro junto com a obra que o Tunga produz, não só a obra, a instalação. Tem muita gente legal trabalhando isso. O Joseph Beuys, esse cara que estou trabalhando aqui, não fez rádio, mas gravou discos de experiência sonora. Usou o suporte fonográfico e sonoro como um artista. Tem um coletivo que estou trabalhando no Rio, de artistas plásticos, chamado Jogos de Escuta. Dois deles fazem mestrado ou doutorado em Poéticas Interdisciplinares na Escola de Belas Artes. A Escola criou uma linha de pesquisa (para esse tipo de investigação). O Marcelo Wassen, por exemplo, faz um trabalho com ondas radiofônicas. Montou uma rádio dentro do Museu da Maré, na favela da Maré, no Rio. É um trabalho de artista, de intervenção sonora, e social. A Mariana Novaes, que também faz mestrado nessa linha, trabalha dentro de ocupações de sem-teto no Rio de Janeiro. Essas interfaces são o lugar que considero o mais importante para pensar arte, porque se for para pendurar quadro em galeria, desde Lygia Clark, Hélio Oiticica e Joseph Beuys “já era”. Tem uma história interessante com o Luiz Carlos Vergara, que foi diretor do Museu de Arte Contemporânea de Niterói. Ele trabalhou no Museu de Arte Moderna de Nova York, com intervenções em comunidades. Agora, ele dirige a recuperação de um prédio do (arquiteto Afonso) Reidy, construído em 1954. É um edifício “comunidade”, que tinha a ideia de ter todos os serviços dentro do prédio, como hoje ocorre nos condomínios, mas para a classe popular. O projeto de recuperação quer retomar a ideia inicial de fazer uma comunidade de moradores junto com as atividades. O Vergara colocou os artistas como os interlocutores dessa recuperação. É pensar o patrimônio de maneira integrada. A arte está dentro disso, não é adereço ou penduricalho. Dentro da vida das pessoas, como Mondrian, as vanguardas e o construtivismo já pensavam.

Nessas experiências que o senhor relata, fica muito clara uma preocupação com a cidade, com o urbano. Hoje, vem se tornando um clichê falar de arte/cidade, ou de corpo/cidade. Como a gente pode transgredir essa superfície pra ir ao encontro de uma arte realmente de intervenção?

É uma outra faixa. Por exemplo, projetos do Oiticica que não chegaram a ser realizados, de criar os “labirintos”, que não eram pra ser objeto de arte dentro do museu, e sim no Parque do Flamengo, no Rio. É uma obra de arte para entrar e se perder lá dentro, vibrar com as cores e o movimento. Além disso, você tem as intervenções, cada vez mais freqüentes. Agora mesmo, no (evento) Oi Futuro, você teve uma intervenção com um grupo de dança, e eles estavam lá, realizando uma performance. Ao mesmo tempo, câmeras gravavam e isso era transmitido no Oi Futuro, como se fosse uma exposição de arte ao vivo, pela internet. Acho que são maneiras de lidar com a arte que quebram com a bobagem da coisa simplificada do que “é”. Não é pra ser contra pintura, escultura, nada disso. Mas tem mais. Por que não experimentar?

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