segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A arte que faz acontecer

 VERONICA STIGGER DURANTE A OFICINA. FOTO: MARINA CAVALCANTE

Entre 2006 e 2009, a professora universitária Veronica Stigger dedicou-se a pesquisar o multiartista, arquiteto, engenheiro (e uma dezena de outras coisas) Flávio de Carvalho, em um Pós-Doutorado. Nas mãos, ela tinha um objeto e tanto: manifestações artísticas capazes de entrecruzar perfomance, moda, etnografia, audiovisual (e uma dezena de outras coisas). O modernista, da mesma geração de Mário de Andrade e Tarsila do Amaral, é reconhecido por Stigger como uma espécie de precursor da arte contemporânea brasileira.

Essas e outras ideias sobre Flávio de Carvalho foram expostas por ela na oficina Flávio de Carvalho e a invenção da arte contemporânea brasileira, promovida pelo Núcleo de Formação do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. No bate-papo a seguir, Veronica Stigger se detém sobre a noção de experiência como atributo definidor da obra de Flávio de Carvalho. Confira.

Pergunta - Em poucas palavras, como se poderia definir a importância da noção de experiência nas intervenções e nas andanças de Flávio de Carvalho?
Veronica Stigger - Bom, várias coisas estão envolvidas nessa noção de experiência. Uma delas é essa ação, esse colocar em prática alguma coisa. Esse lado meio dramático que tem na experiência, de um drama pensado assim, como alguma coisa colocada em ato, em ação. Que é o caso das três experiências que ele faz: andar no sentido contrário de uma procissão; criar um traje de verão para os homens e sair desfilando nas ruas de São Paulo com esse traje; e uma última que é pesquisar uma tribo indígena e ao mesmo tempo fazer um filme. Então a gente tem por um lado, esse aspecto de ação, de colocar alguma coisa em prática, nessa ideia de experiência, e por outro, o que está embutido nessa ideia, que é uma busca por conhecimento. Em todas as intervenções do Flávio, há a ideia de buscar um conhecimento específico sobre alguma coisa. No primeiro caso, por exemplo, estudar a alma dos crentes, como ele diz, na procissão de Corpus Christi, no segundo estudar a moda, no segundo, e no terceiro, há uma experiência de caráter científico, que é estudar o índio e depois produzir um filme.

Pergunta - Em todas essas experiências, ele, digamos assim, ele ignora os limites de espaço em que se espera que essas manifestações se desenvolvam. A arte na galeria, a moda dentro de uma loja... Tudo dele parece convergir para um contato com a vida real. É correto pensar dessa forma?

Veronica - Creio que, no caso das experiências do Flávio de Carvalho, as manifestações vão além dos limites da arte. Elas bordejam outras áreas. No caso da Experiência nº 2, que é a da procissão, ele vai bordejar a psicologia, a etnografia... Na Experiência nº 3, também a etnografia, mas também a sociologia, a história. A própria moda... São experiências, manifestações, ações que o Flávio de Carvalho coloca em prática, que vão além dos limites estritos da arte, de um museu. E é por isso que vem o título que sugeri para a oficina, que é Flávio de Carvalho e a invenção da arte contemporânea brasileira. É um pouco uma brincadeira de pensá-lo como um precursor.

Pergunta - Dentro do Modernismo, o lugar do Flávio de Carvalho era um lugar...

Veronica - Deslocado?

Pergunta - Isso.

Veronica Eu acho que ele é deslocado. Ele chegou ao Brasil depois de fazer os estudos dele fora do país. Então, ainda pequeno, com 11 ou 12 anos, ele foi enviado para estudar fora do país. E ele volta em 1922, o ano da Semana de Arte Moderna [de São Paulo, marco do Modernismo nas artes brasileiras]. Mas ele não volta em fevereiro, quando se deu a Semana, volta só em agosto. Ele vai ter contato com essa turma, Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, depois Raul Bopp... Mas ele é sempre um artista meio deslocado. Embora ele tenha relação com as pessoas que eu citei, ele é sempre um artista mais à parte.

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