sexta-feira, 24 de setembro de 2010

As pequenas vitórias do movimento


CENAS DE REDESCOBERTAS: ELIANA E AS ALUNAS DA OFICINA. FOTOS: MARINA CAVALCANTE

por Rafael Rodrigues

Sentadas em cadeiras, as alunas da oficina Dançando com maiores de 50, promovida pelo Núcleo de Formação do Dragão do Mar, demoram - pelos parâmetros de tempo de uma vida mais "jovem", é bom que se diga - a desafiar os próprios limites. Talvez por timidez, talvez por receio de infligirem ao corpo algum desconforto. A cautela é mais do que justificada para essas pessoas, que muito já viram e viveram em mais de 50 anos de vida. A professora, paciente, espera dias até sentir a segurança necessária para, enfim, sugerir um exercício de solo, fora da zona de conforto às quais muitas dessas alunas se acostumaram.

Essa passagem ilustra as delicadezas e complexidades de olhar para o próprio corpo depois de uma certa idade, a partir da qual a sociedade tende a nos enquadrar no papel do idoso inofensivo, simpático ou recluso no próprio lar. A professora de dança Eliana Madeira pede licença para subverter papeis, durante a oficina que ministra, até esta sexta (24), no SESC Senac Iracema. Lá, busca ensinar aos mais maduros a redescobrir o próprio vigor corporal - e, quem sabe, se aventurar em outras atividades.

Fazendo 67 anos exatamente hoje, no último dia da atividade, Eliana fala com este blog sobre como prender a atenção desse público peculiar e fazê-lo entrar em movimento. Confira.

Pergunta - Como você teve essa sensibilidade de enxergar nesse público-alvo um potencial para uma atividade como essa?

Eliana Madeira -
Eu sou uma delas! Uma das integrantes desse público. Eu sempre quis fazer um grupo de dança com pessoas de mais de 50 anos. Homens e mulheres, e não tive ainda essa oportunidade. Então eu aproveitei o Núcleo de Formação e propus para a coordenação essa atividade, e foi aceita. Eu queria um perfil de baixa renda, baixa escolaridade, então essa atividade foi divulgada diretamente para o pessoal do Poço da Draga. Mas como também tinha o site aberto e, depois, no primeiro dia, houve divulgação pelo pessoal do jornal O Estado. No dia seguinte, tinham mais seis pessoas, depois apareceu mais um casal, embora, no fundo, eles estivessem pensando que era um curso de dança de salão. E a proposta, inicialmente, era movimentar o corpo, ter um pouco de consciência corporal, trabalhar com ritmos diferentes, para poder dançar qualquer coisa. E dentro do enfoque da dança contemporânea, é um trabalho na pessoa, com a história dela, a partir do que ela pode. Elas, as alunas, se divertem muito, falam que é muito prazeroso, relaxante, na hora que fazem esquecem dos problemas. E estão querendo continuar. A sensibilidade talvez venha da necessidade que eu mesma tenho de continuar dançando. Eu venho da dança, fiquei muito tempo afastada, e estou retornando. Sei como isso é importante para a vida de uma pessoa.

Pergunta - Nessa idade, as pessoas estão mais abertas a novas ideias sobre a própria consciência corporal?

Eliana -
Eu utilizo uma linguagem mais lúdica. É mais fácil elas [as alunas] responderem a essa linguagem do que a uma linguagem muito técnica, explicativa. Coloco algum material na mão delas, bolinhas, faço relaxamento, enfim... É uma motivação diferente, a que eles têm. Inclusive porque é um público que está parado, é sedentário. Tem muitos maiores de 50 que estão muito bem. Mas muitos estão cada vez mais parados, sedentários, em frente a uma televisão, condicionados a ligar e desligar uma televisão, a vida deles se tornou isso. Essa é realmente a minha preocupação: tirar essas pessoas dessa situação, porque a biologia em si, a idade, é um "problema", entre aspas. Se você não cuida, se não mantém a movimentação que pode ter, a coisa tende a ficar pior. E aí vem os problemas de saúde. A gente começou a oficina nas cadeiras, sentados, porque eu não sabia até onde elas iam. Hoje (quinta, 23), no terceiro dia, é que eu coloquei elas no chão, para sair do chão, para ver como é que senta, como é que deita. Muitas delas não fazem isso, não têm coragem de ir pro chão.

Pergunta - Tem um trabalho aí de perceber um ritmo próprio dessa feixa etária?

Eliana -
Justamente. A metodologia se diferencia do tradicional porque não dá movimentos prontos. Tanto que a ideia não é aprender movimentos, é aprender a se movimentar, que é diferente. Com esse modo de trabalhar é que estou abordando essa atividade.

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