sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A arte como brincadeira

RICARDO ALEIXO DIZ HAVER CONFUSÃO ENTRE MANIFESTAÇÃO E SUPORTE
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Todos os caminhos de Ricardo Aleixo confluem para a poesia. Esse é o leitmotiv do seu trabalho, sem que isso signifique o abandono de outras possibilidades criadoras. Tanto assim que hoje ele dá aulas de Design Sonoro numa faculdade em Belo Horizonte. Nessas idas e vindas, Aleixo aprendeu a fazer do poema um território permeável a incursões sonoras e visuais. Assim, para ele, é possível devolver a dimensão do lúdico, da brincadeira propriamente dita, a essa modalidade artística.

Em palestra no Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, Ricardo Aleixo se embrenhou por essas possibilidades. A este blog, ele falou sobre o assunto e também acerca da rejeição sofrida pela poesia em certos espaços. Confira trechos.

Pergunta - Como é possível reabilitar a dimensão do jogo, não apenas na poesia, mas em outras expressões artísticas?

Ricardo Aleixo - Me parece que tem um dilema, até onde sei, sem solucação aparente, entre o que se espera de transgressão, de deslocamento, de reversão de expectativas, de criação de um horizonte novo, por meio da arte, e o que seria a sua necessária institucionalização. Uma coisa é você pretender o paraíso prometido por essas experiências de autopoiesis que a arte promete. Ela promete isso: ao fazer, você vai se fazer. Como fazer isso funcionar dentro de uma instituição? Isso me parece um dilema de séculos, senão de milênios. E creio que nós não temos a chave para isso. A forma como a arte tem sido levada para o espaço institucional aponta para uma brecha mínima, uma fresta dentro do sistema - existe a possibilidade de incorporar algo que, a princípio, é contra a instituição. Mas isso vai ter que sobreviver dentro da instituição.

Pergunta - Você acha que a academia tem essa maturidade para estimular processos que são...

Ricardo - (Interrompendo) Contra ela? Não tem. Eu falei te cortando porque é exatamente isso, um corte. A arte é um corte em relação aos discursos hegemônicos dentro da academia. Ao cartorialismo, a esse pendor administrativo, às disputas, tudo isso. A arte é, por definição, contra. Ela pode ser usada com esses fins, mas a princípio vai propor uma realidade outra, um estado outro. São as questões imediatas. E a universidade hoje tem se voltado para o imediato, não tem uma visão de futuro. O carreirismo dominou a universidade, pouco importa se na pública ou na privada. Sou contra a universidade? Não, pelo contrário. Mas que hoje ela tem muito menos chances do que nos anos 60, de se colocar criticamente, autocriticamente, e de sair viva disso, isso é fato.

Pergunta - Você falou da questão da inserção da poesia e do (pouco) conhecimento que os alunos de poesia tem de poesia. Você vai aos cursos (superiores em Letras) e os alunos não tem muito contato com poesia.

Ricardo - Nenhuma.

Pergunta - Então a universidade acaba pagando o preço da ausência de introdução à poesia nos outros graus de ensino. Você vê alguma prespectiva ou algum trabalho que possa ser feito no sentido de correr contra esse atraso? Ou a visão da "inutilidade da poesia" é difícil de superar?

Ricardo - A ideia de "inutilidade da poesia" tem que ser entendida de forma contextualizada. Os gregos não pensavam que ela fosse inútil. Eles a usavam, por exemplo, para treinamento rítmico dos músicos, para difusão de questões pedadógicas. A ideia de serventia, no mundo capitalista, é que talvez tenha de ser posta em questão. O valor de uso, de troca, das coisas, essas questões é que tem de ser problematizadas. Em face ao que a poesia traz. Quando a gente fala de poesia, há uma confusão: a gente fala de livro de poesia. É falar do livro como se estivesse falando de poesia. Então se diz assim: "ninguém gosta de poesia", mas o que confere estatuto de verdade a essa afirmação? A suposição de que, de todos os gêneros literários, o que menos vende é a poesia. Mas isso, insisto, é baseado em quê? Você pega as listas da revista Veja. Ninguém se questiona se há um acordo tácito para jamais colocar a poesia, mesmo que ela venda muito, como algo vendável. O que está sendo vendido é o livro de poesia. Assim como música, você não vende. O que vende é CD, entrada para show. As pessoas tem confundido a coisa com o suporte em que ela é vendida. A minha experiência mostra o contrário: as pessoas gostam sim de poesia, isso nunca vai ser massivo, mas a gente tem que considerar o preço dos livros, o desaparelhamento das bibliotecas públicas.

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