DINÂMICO, SUKORSKI TRANSITOU PELO PALCO DO CENTRO DRAGÃO DO MAR
FOTO MARINA CAVALCANTE
Por Rafael Rodrigues
Wilson Sukorski falava de John Cage e outros papas da experimentação e da imprevisibilidade musical quando, por instantes, seu microfone falhou. Um simples acaso, sem dúvida. Mas que, de alguma forma, ajudava a iluminar, por linhas tortas, sua apaixonada exposição dos rumos da música erudita a partir do advento dos instrumentos eletroacústicos e eletrônicos. Uma música em que dissonâncias, sons sintéticos e atonais traziam à tona uma nova condição dos compositores: a de cientistas em busca de criações aperfeiçoadas.
Os expoentes da música contemporânea - e suas máquinas maravilhosas - estiveram no centro da palestra do músico, compositor, performer e designer de instrumentos (a lista continua) no Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas. No bate-papo a seguir, ele mostra que, mesmo por trás de complexas máquinas, certos princípios da música não mudam nunca. Confira trechos.
Pergunta - Na hora em que o microfone falhou, me ocorreu o seguinte: quando dependemos da mediação de aparelhos eletrônicos ou elétricos, estamos propensos ao erro, ao inesperado. Você que uma das sacadas desses caras foi justamente perceber que o inesperado ou aquilo que pensamos ser erro poderia ser incorporado à música? Faz sentido?
Wilson Sukorski - Tem uma frase do Samuel Beckett, um autor de teatro, que diz: "É errar, errar de novo, errar melhor". Então isso é uma coisa que tem a ver com o que você estava dizendo. O meio tecnológico em si, as pessoas tem um pouco esse medo de que o meio tecnológico pode falhar. Um violão pode quebrar a corda no meio do concerto, um violino também. Um instrumento é uma máquina do mesmo jeito. A ideia moderna é que o instrumento é uma máquina que transforma força mecânica em som. O instrumento eletrônico é a mesma coisa. Ele transforma a sua capacidade áptica - que é o jeito de você tocar, os dedos - ele transforma isso em som também, de várias maneiras. Hoje em dia o que nós temos é uma vantagem, uma diversidade enorme de instrumentos que a gente não tinha. Hoje em dia há a possibilidade de instrumentos virtuais de toneladas, coisa que você não tinha há 10 anos.
Pergunta - Essa atualização é muito frenética.
Sukorski - Isso num certo sentido é legal. Demonstra que a gente tá evoluindo e isso só pode ser do bem. Se você tem mais ferramentas para fazer música, teoricamente você vai fazer música melhor.
Pergunta - Por outro lado, tem uma questão que se levanta. Alguém vê um DJ tocando e diz: "esse cara não sabe música". Muita gente costuma associar a eletrônica, o uso desse maquinário, a uma suposta redução da capacidade de se fazer música.
Sukorski - Sabe como se fala DJ em português de Portugal? É "giro-disquista". Eu acho que é uma transição, na verdade. À medida em que os instrumentos musicais foram disponibilizados para muito mais pessoas... A ideia do DJ é a de ser um animador da festa. Então, qual a tecnologia dele? É escolher a música certa para animar a pista, não deixar a peteca cair. Tem uma frase muito legal do Buckminster Fuller que fala assim: "No tempo de paz, as pessoas dançam. No tempo de guerra, elas marcham." Então, eu prefiro que tenham DJs tocando para as pessoas dançarem, do que elas marchando, o que é pior! Obviamente, nada abole o ensino, estudar. Qualquer pessoa que queira fazer alguma coisa na vida, não adianta achar que você vai sentar e cair no seu colo a arte, a música, ou que você é genial. Só existe uma possibilidade: estudar. Até hoje eu adoro estudar.
FOTO MARINA CAVALCANTE
Pergunta - É preciso conhecer o cânone para poder transgredi-lo, é mais ou menos isso?
Sukorski - É claro. Eu tava na Europa agora, conversando com compositores bem jovens, no Audio Art Festival. Os caras falaram assim pra mim: "Eu não vou estudar música. Não quero ouvir (Karlheinz) Stockhausen (compositor contemporâneo alemão), porque não quero me influenciar. Daí eu falei que se você não ouvir o Stockhausen, não souber o que o Stockhausen fez, você vai tender a repeti-lo e, pior ainda, numa chave muito mais primitiva do que ele. Por quê? Porque você está querendo fazer uma coisa sem fazer a coisa. Para fazer música eletrônica, você tem que conhecer música eletrônica. Tem que ter o ouvido aberto o máximo possível. O cara que repete é o famoso trouxa.
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