sábado, 7 de agosto de 2010

Um eterno happening no palacete


CLÁUDIA FEZ PERCURSO SENTIMENTAL EM PALESTRA
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Uma cantora lírica italiana, um rico armador carioca, uma vida a dois num dramático palacete em meio à floresta. Poderia ser a história de um folhetim romântico daqueles bem moralistas. Mas, acaso ou não, esses elementos foram o idílico início de uma proposta ousada: uma escola de artes visuais em pleno período da ditadura militar.

A Escola de Artes Visuais do Parque Lage, fundada em 1975 e logo alçada à condição de espaço livre para a experimentação dos artistas cariocas, herdou o belo palacete construído por Henrique Lage para a amada italiana, Gabriela Besanzoni. Foram-se os personagens, ficou a obra, hoje uma referência no ensino das artes da região.

A diretora da Escola, Cláudia Saldanha, prestou uma sentimental homenagem à Escola, evocando nomes e imagens da trajetória do centro de formação. Após sua palestra no Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, nessa sexta-feira (6), ela conversou com este blog. Confira trechos.

Pergunta - Trinta e cinco anos depois da abertura da EScola de Artes Visuais do Parque Lage, como se pode mensurar a importância desse equipamento para uma cidade como o Rio de Janeiro?

Cláudia Saldanha -
A escola tem um papel fundamental para a cidade, especialmente no seu início. Quando em 1975 Rubens Gerschman é convidado a assumir para assumir a direção e cria a Escola, ele convida uma série de pessoas, pensadores e intelectuais da época, para junto com ele darem início a esse novo programa. Para você ter uma ideia, ele contou com a colaboração do Mário Pedrosa, da Lygia Pape, a Lina Bo Bardi, a Celina Tostes (artistas visuais)... No início, ela significa mais ou menos o lugar da liberdade, mas aquela liberdade no sentido de que as pessoas poderiam ali conversar a falar livremente, sem ter medo. Uma espécie de oásis, daí o termo usado pelo (crítico de arte) Wilson Coutinho: o jardim da oposição, que é perfeito. É uma espécie de Éden da intelectualidade do Brasil como um todo, porque era frequentado por pessoas de outras cidades, como Glauber Rocha. Isso foi o início da escola. Hoje, claro que ela vai... Os anos vão se passando, a sociedade vai se modificando, mas ela permanece como um ponto de referência de artistas. De todo o país. E até hoje ela guarda essa característica de lugar de troca de ideias, de conversas. E justamente por não ser uma universidade, em que você não tem que fazer vestibular para entrar, não tem que cumprir créditos, por ser uma escola mais libertária em sua concepção original, ela proporciona várias formas de interação. Tem gente que vai lá para ler poesia. Há eventos em que a Escola fica lotada, e acaba virando festa. É uma espécie de vocação. A Escola, mesmo antes do (Rubens) Gerschmann, foi construída como um lugar de festa.

Pergunta - Isso faz lembrar o happening, que é justamente uma dimensão das artes visuais ali dos anos 60, com Warhol, e vocês parecem que se inspiram nisso...

Cláudia -
É. Tinham lá umas aulas muito interessantes, no início, do Hélio Eichbauer, que é bailarino de formação mas fala de filosofia, de psicanálise... Revirando a memória da escola, encontramos coisas incríveis. Filmes da época, feitos durante as aulas. São filmes assim... você não acredita! Exatamente isso que você está falando, esse espírito de juntar todas as coisas. Tinham músicas, a Bachiana do Villa Lobos, ao mesmo tempo fazendo uma encenação que era uma catarse coletiva. Tinha argila, materiais... Tudo junto ao mesmo tempo. Claro que isso tinha a ver com a época, um momento de grande repressão por um lado, e uma grande necessidade de libertação. Mas tinha a ver com um movimento internacional. Os anos 60 foram os anos 60 no mundo todo, anos muito libertários. Quando a escola começa, nos anos 70, ela reflete esse espírito.

Pergunta - As artes visuais, de uns anos para cá, se constituíram num campo muito híbrido. Como é que a escola acompanhou essas mudanças sofridas pelas artes visuais? Como isso se reflete no currículo?

Cláudia -
A gente tem na Escola um núcleo de Arte e Tecnologia. Criado há 10 anos por iniciativa deu m grupo dep rofessores e que permanece até hoje oferecendo cursos ligados à arte digital e à comunicação via internet. Existe uma preocupação, que obviamente não é de todos, atrai alguns professores. Isso nos preocupa muito. De tal modo que, quando fizemos a reorganização dos ateliês de gravura, criamos uma comunicação entre eles e constituiu mais duas salas. Uma de fotografia analógica e uma outra de imagem digital. O cara que vai passar por esses espaços é estimulado a usar das formas mais tradicionais de gravura até as mais atuais, como a reprodução via software de uma imagem digital.

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