quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Uma conversa séria ao pé do ouvido

TABORDA MOSTROU DIVERSOS EXPERIMENTOS SONOROS
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Uma geração de crianças com ouvidos sujos, alheias aos barulhos mais sutis do mundo. Ainda há tempo, porém, de oferecê-las um "cotonete". Não se está aludindo aqui a um problema propriamente de saúde. A imagem é uma metáfora da nossa incapacidade em perceber o mundo ao nosso redor fora dos paradigmas do olhar. Essa escuta mais atenta é defendida pelo compositor, pianista e professor Tato Taborda, que participou nessa terça-feira (3) do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, no Teatro do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Em entrevista, Taborda defende a atualização - antes conceitual do que tecnológica - de nossa educação musical. E critica o "lixo jogado no ar" pelas vias da poluição sonora. Confira trechos da conversa.

Pergunta - Durante o evento, você falou em reeducar o ouvido em busca de novos sons e novas percepções do mundo. No entanto, a nossa sociedade parece não ligar muito para isso. Como dar o primeiro passo?

Tato Taborda - Na verdade, isso começa com uma mudança de consciência. Existem exercícios para você chegar a isso. Há exercícios, alguns inclusive feitos para a sala de aula, capazes de ampliar essa capacidade de escutar a voz do mundo, a maneira complexa com que ele fala. Isso, é claro, não se dá de um momento para outro, mas isso pode começar nas escolas, desde cedo. Para que, depois, a gente não tenha que tirar aquelas "crostras" que a gente vai acumulando no ouvido, até por defesa de uma paisagem sonora tão agressiva que nos cerca.

Pergunta - Hoje a gente vive num mundo cercado por poluição sonora, esse é um problema com o qual os governos tem se deparado. Você acha desaprendemos a colocar som no mundo, digamos assim?

Taborda - Ela perdeu a mão completamente. O som é a fonte de problemas. Na verdade, em termos políticos, uma das maiores razões de reclamação do indivíduo ao poder público é a agressão por conta de som. O som que você gera a mais é lixo que você joga no ar. E não se tem muita dimensão que é assim. O resultado são camadas e camadas de poluição que cada cidadão, inadvertidamente, despeja e força os seus semelhantes a escutar.



FOTO MARINA CAVALCANTE


Pergunta - Que avaliação você faz do acesso à educação musical aqui no Brasil, de maneira geral?

Taborda - Acho que não está desvinculado da questão educacional como um todo. Está tão deficiente quanto a educação de uma maneira mais ampla. Está muito atrás das necessidades do mundo em que a gente vive. Eu não falo nem em termos tecnológicos, falo em termos conceituais. É realmente muito defasado. A música se transformou muito, a paisagem sonora ao redor das escolas de música - vou tomar as escolas de música como parâmetros desse ensino de música - se transformou brutalmente e ela não pode ser mantida à margem. Sob o risco de você se defender dela e permitir que ela cresça desordenadamente e não ter mais capacidade de interferir.  

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