quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A docência em movimento


LÚCIA É PROFESSORA DESDE OS 17 ANOS
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Pegue modelos seculares, vire-os pelo avesso e neles aplique propostas pedagógicas atuais, um professor disposto a arriscar e alunos idem. Essa espécie de receita poderia sintetizar uma das formas possível de se encarar o ensino de dança numa perspectiva contemporânea. Não é receita porque, como bem lembra a professora Lúcia Matos, da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia, não há modelos prontos e o professor também é depositário de inquietações, saberes prontos a serem desconstruídos e devorados por alunos.

Partidária dessa visão flexível do processo de ensino-aprendizagem, Lúcia falou à plateia do Seminário, Arte, Invenção e Experiências Formativas nesta quinta-feira (5). Depois de entrar em cena, ela conversou com nosso blog sobre a delicada arte de descosturar certezas. Confira trechos.



Pergunta - Você se coloca, em sala de aula, como um sujeito de incertezas, que não tem todas as respostas prontas. Você encontra muito o aluno que espera por certezas? Como você confronta essa situação?

Lúcia Matos - Na prática de sala de aula, eu procuro usar diferentes estratégias. Lógico que existem alunos... Pela reforma curricular que aconteceu na Escola de Dança (da UFBA), em que trabalhamos com muitos autores contemporâneos, que falam da não-fragmentação do conhecimento, que tratam de teorias das neurociências, o corpo como pensamento da dança, todas as essas influências fazem com que os alunos rejeitem, muitas vezes, uma aula expositiva. Tento mostrar para o aluno que a gente pode abarcar diferentes tipos de propostas de aula em que a gente pode ter uma maior diversidade. Existe um documento da Unesco, chamado Road Map, que trata do ensino das artes nas escolas e a formação em geral. A Unesco, nesse documento, começa a tentar a forçar os governos, os países, a terem políticas mais claras para a arte-educação. Então é um conhecimento que eu detenho naquele momento e apresento para eles, mas é um espaço onde eu possibilito que eles leiam o documento, não apenas numa maneira em que eu exponho e eles "engulam". Tenho muitos conhecimentos, mas também incertezas, e mostro isso a eles. Mostro também a transformação de algumas certezas que eu tinha.

FOTO MARINA CAVALCANTE


Pergunta - Você falou em sua palestra sobre reprodução de modelos, sobre como reconhecer essa reprodução. O que você acha que ocasiona essa forma de olhar para a dança, em que modelos são reproduzidos?


Lúcia - Na realidade, no processo de ensino, há muitos alunos que são mais "artistas" e vão buscar no ensino uma forma de subsistência. No olhar deles, eles vão lá (nas salas de aula) apenas "ensinar" a dança, depois vão pra casa e vão pensar em sua criação artística. Esquecem que, naquele fazer dele, estão colocando uma visão de corpo e de dança que vai refletir diretamente naqueles alunos, naquelas pessoas envolvidas com o fazer dele. Logicamente, falando de métodos mais tradicionais, a dança sempre foi vista como cópia e reprodução de movimento. Eu mostro meu movimento, você copia, eu te conserto, como se isso fosse algo suficiente. Não quer dizer que a relação de cópia tem que cair por terra, pode ser usada, mas não é o único meio de se pensar na dança. Essas diferentes estratégias precisam ser pensadas, para que eu (professor) não seja o único modelo de referência, pra que o aluno copie. Essa relação de modelo e repetição está muito ligada a modelos sedimentados como o balé clássico, onde você tem os níveis de aula. Há professores que descontroem isso com o próprio balé. Então é possível desconstruir esse modelo e trazer novas propostas.

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