domingo, 8 de agosto de 2010

Energias e sensibilidades à venda


SUELY ROLNIK BUSCOU DESCONSTRUIR O PAPEL DA ARTE
FOTO MARINA CAVALCANTE

O relógio já se encaminhava para as 14 horas quando Enrico Rocha, um dos coordenadores do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas se viu obrigado a encerrar a participação de Suely Rolnik e, por tabela, declarar finda a jornada de cinco dias pelas veredas da interseção entre arte e conhecimento. Não por ausência de méritos da palestrante - ela estava ali há cerca de duas horas e meia. Mas pura e simplesmente por demandas tão incontornáveis como almoçar, por exemplo.

Enquanto o protocolo - e a fome - não reclamaram seu espaço, a psicanalista, crítica de arte e curadora lançou-se ao nada modesto desafio de descortinar como o sistema capitalista, em sua fase cultural, articula as experiências humana e as manipula de forma a movimentar a máquina do mercado. E o corpo - isso mesmo, o meu, o seu corpo físico - é o epicentro do processo, na medida em que nele se imprimem as subjetividades ali cultivadas.

Rolnik desliza hábil por tal tarefa. Dribla o hermetismo costurando exemplos prosaicos, observações acessíveis e até um certo humor, sempre alinhavado pelos apelos à participação da plateia. Assim, a discussão de dimensões monumentais ganha leveza, ainda que não perca a gravidade.

A fala da pesquisadora, "Desejar a sensação", articula psicanálise, teoria social e filosofia (entre outras matrizes) para  repercutir observações acumuladas ao longo dos últimos dois anos.  Uma das chaves de leitura está na seguinte assertiva:  capitalismo pós-industrial se alimenta da energia da tensão que mobiliza nossa energia vital (ou força de potência, como diria Nietzsche).

"Alimento o sistema com tudo aquilo que tenho de mais valioso, a minha pérola negra: minha subjetividade", colocou Suely.

Toda essa ação se dá na esfera da micropolítica, definida pela pesquisadora como lugar das subjetividades vistas com lente de aumento. É o terreno em que percepção (a apreensão do visível) batalha com a sensação (o lugar do invisível, em que se dá o duplo movimento entre a desagregação e a criação de forças). É aqui que as vitalidades se inscrevem no corpo e na sensibilidade.

E, mais importante, é onde o sistema capitalista opera, puxando-nos o tempo inteiro para o consumo de subjetividades "pret-à-porter". Isso ocorre na ânsia de nos repaginarmos, nos reinventarmos para lidar com nossa condições de seres angustiados - por não podermos alcançar os modelos projetados a partir dos braços desse mesmo sistema - tal como a mídia faz, por exemplo.

Nesse sentido, a força de pensamento torna-se mais relevante que a força de trabalho, revertendo a lógica característica do capitalismo industrial.

Rolnik enxerga ser possível pensar em duas diferentes políticas de criação dentro desse contexto. Uma, ativa, capaz de incorporar a escuta das sensações, e a outra, reativa, empenhada em denegar essa mesma escuta. As subjetividades "ready-made" fornecidas pelo capitalismo inclinam-se para o pólo reativo, potencialmente menos transgressor. De outro lado, a arte pode propor o caminho da intervenção ativa.

"Não nos interessa aqui a distinção entre o que é popular e o que é luxo", observa. "Não há isso no terreno da micropolítica." Para a pesquisadora, a modernidade se funda no recalque do nosso acesso à sensação. Um movimento de desrecalque tem recorrido, porém a serviço do capitalismo.

O público não se intimidou diante da nem sempre fácil trilha teórica de Suely Rolnik, e colocou-se em perguntas, em afirmativas, por vezes sem esperar pelo microfone do evento. O diálogo e a construção coletiva forneceram o desfecho mais que justo para um evento talhado para proporcionar a troca. Às duas da tarde desse sábado, ao fim da participação de Suely Rolnik, eis que a missão se cumpria.

Um comentário:

  1. Oi...

    Muito bacana, poder ler relatos das palestras, afinal para quem não pode ir, é uma forma de estar por dentro do que aconteceu...Eu faço parte de um site, o Reticências...crítica de arte ( www.reticencascritica.com ) dedicado as artes visuais, e gostaria de saber se poso publicar esse texto,lá? colocando os créditos claro...quem escreveu mesmo? peço que me confirme no e-mail reticenciascritica@yahoo.com.br

    Abraço,

    Abraço

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