terça-feira, 3 de agosto de 2010

Voos em busca da diferença

LINS: "AQUI NINGUÉM SE APROXIMA DA DIFERENÇA"
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

A conversa poderia se estender por horas. O pensamento de Daniel Lins desconhece limitações: de território, de formação, de tema. É bem verdade que o mote - os limites entre invenção e criação - dava a deixa para voos altos. Mas como filosófo ciente de uma missão - "criar problemas" - como ele mesmo diria, o professor da Universidade Federal do Ceará cutuca pequenas e grandes verdades estabelecidas, aqui e acolá, num fluxo de consciência que parece não se esgotar.

Para esse ex-aluno de Gilles Deleuze, a sociedade está carente de invenção. No jargão de Lins, significa sair da zona de conforto em busca do novo, da diferença, da afronta aos próprios medos. Enclausurados na rotina da criação, para Lins sinônimo de reprodução, desaprendemos a valorizar a perspectiva do outro.

Veja a seguir trechos da entrevista em que Lins defendeu esta e outras ideias. Confira:

Pergunta - O senhor falou na palestra entre essa diferença entre invenção e criação. O senhor defendeu que a invenção está diretamente ligada à filosofia. O senhor acha que nas outras ciências humanas o espaço para a invenção está um pouco, digamos, oculto?

Daniel Lins - Digamos que a filosofia não está desligada das outras áreas, das outras ciências. Imagine Platão sem as cavernas. Imagine (Giorg) Hegel (filósofo alemão), que escreveu sobre a estética, sem os poetas. Não existe a filosofia de um lado, a literatura ou o cinema de outro. Aonde tem invenção, a filosofia está. Todas as ciências, mesmo as ciências "duras" como a matemática, ajudam a formar a filosofia. É por isso que temos Jacques Monod (biologista francês), que foi agraciado com o Prêmio Nobel. Seu livro, que se chama "O Acaso e a Necessidade", é estudado nas grandes escolas de filosofia do mundo. Delleuze e outros contemporâneos nunca se furtam de trabalhar com ele. A ideia do caos como uma ordem, que é um conceito filosófico, vai ser trabalhado pela física quântica de maneira profunda.

Pergunta - É impressão minha ou a universidade ainda se furta de promover esse diálogo entre as diversas ciências, sobretudo na área das ciências humanas?

Lins - Não é um problema da universidade. Aqui ninguém se aproxima da diferença. "Eu sou dançarino, vou ver os espetáculos de dança. Eu sou do teatro, vou para os espetáculos de teatro." Essa mistura, aqui, é muito complicada. Por exemplo: um simpósio assim importante, como este Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas. Seria interessante, como os sociólogos adoram, fazer uma enquete para saber quem está aí. Que nós fizemos, quando tivemos o Simpósio de Filosofia. E era incrível: iam dois dançarinos que eram amigos nossos, um ou outro do teatro apareciam. Esse problema da presença, do esprit du corps, do espírito de corpo como os franceses falam, esse não é um problema da universidade. Ela vive essa questão.

Pergunta - Ela promove isso.

Lins - Ela não promove nada. A universidade não inventa as coisas. Trabalha com os saberes. Então, se a universidade se fecha, evidentemente ela não vai promover. Vai agir exatamente como nós fazemos na cidade e como nós fazemos no estado do Ceará. Poderíamos falar do Brasil, mas falo daqui porque é um caso bem sério, que inclusive já foi estudado. E por que não se misturam? O que é isso? É um problema geral de uma certa mentalidade que é nossa. É diferente em São Paulo? É. Mas São Paulo está cheio de nordestinos. Então, temos cabeça aberta. Não se trata, dessa forma, de uma fatalidade. Lá, ele se deixa contaminar. Mas aqui dentro é muito difícil.


FOTO MARINA CAVALCANTE

Pergunta - Seria uma recusa à invenção?

Lins - Não diria que é recusa. É uma espécie de indiferença à diferença. São compartimentos. Isso é próprio das utopias. Eu estou no teatro então eu crio uma utopia. Estou no Departamento de Física, eu crio uma utopia. A Física é minha coisa, é meu lar. Todos estão nos mesmos lugares. Isso é utopia.

Pergunta - São lugares de segurança.

Lins - Sobretudo de segurança contra o novo. Você pode estar fazendo o novo numa área, mas não vai se contaminar com outra área. "Nós aqui do Ceará somos os melhores, não precisamos de nada. O dançarino sabe de tudo, dança muito bem, as críticas são maravilhosas, tudo é bom, somos perfeitos..." Então, quando a gente se coloca na posição da crítica, você pode perder amigos aqui. Há um problema que eu chamaria de invenção de um modo de vida, mais do que outra coisa. É difícil conviver com a crítica no Ceará. É um problema de todo o Estado. Não dá para ver o culpado na história. Não há culpados.

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