quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Favela. Não a que a você imaginou

TIAGO GOMES: "TERCEIRO SETOR EXISTE PORQUE GOVERNO INEXISTE"
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Correr por fora dos estereótipos, promover diversidades e novos olhares sobre um território tão desgastado: a periferia carioca. A tarefa, quem diria, foi abraçada com satisfação por um goiano. Tiago Gomes se divide entre uma assessoria na Secretaria de Cultura carioca e o terceiro setor em busca de frestas para o que chama de nova geração de realizadores das favelas do Rio: diretores e roteiristas preocupados com temas universais. Nada parecido com os tiros e agressões de sempre do cinema mainstream nacional.

Gomes falou a este blog sobre esse novo momento do audiovisual no Rio, além de opinar - com bastante convicção - sobre uma relação delicada: governos versus organizações não-governamentais. Confira alguns trechos.


Pergunta - Como você avalia a relação do terceiro setor com o governo? São atores que tem de andar de mãos dadas?

Tiago Gomes - (brinca) Acho que agora vou ser despedido. Na verdade, acho que o terceiro setor existe porque o governo inexiste. Se o Estado cumprisse com o papel dele, não tinha razão para o terceiro setor existir. Na medida que o Estado abandona uma série de ações que eram de responsabilidade dele, as pessoas começam - pelo menos no caso da cultura - a fazer arte, muitas dessas pessoas começam a se articular enquanto organização, viram Cufa (Central Única das Favelas, ONG carioca), viram Afroreggae (ONG carioca), na "tora", na raça, na coragem. Depois que a coisa fomenta, tem visibilidade, aí eles começam a andar junto. "Olha só como a gente é bacana". Vira na verdade um serviço terceirizado do governo. É um problema, tem uma série de questões em relação a isso. No Estado que a gente tem, é fundamental o trabalho do terceiro setor.



Pergunta - No Rio de Janeiro, isso é mais crítico. Há locais onde o poder público não entra...

Tiago - O poder paralelo lá é muito presente. Quando o poder paralelo está instaurado assim, para o governo chegar é muito mais difícil. O único braço que geralmente chega na favela é a polícia, o braço repressor.



Pergunta - Que novos olhares o terceiro setor pode lançar para a cultura?

Tiago - Eu sou de Goiânia e quando disse para minha mãe que iria para o Rio de Janeiro, ela disse: "Deus me livre. O Rio é igual a Bagdá. Pra lá você não vai". Quando cheguei lá, percebi que a visão da minha mãe era totalmente equivocada. Existe a violência, mas é muito menos do que se passa na grande mídia. Lá qualquer tiroteio na Zona Sul, o Brasil inteiro fica sabendo. Mas retomando a pergunta, a primeira geração de cineastas da favela tinha a necessidade de retratar o que eles viam sobre eles mesmos. Falcão - Meninos do Tráfico, por exemplo. Chega um momento que isso ahhh (gesticula como se estivesse sendo estrangulado), já foi, chega. A gente vai fazer outras coisas. E aí começaram a fazer "A Festa da Laje", uma série de outros filmes que não retratavam mais isso. Acho que esse movimento de fazer filmes... O conhecimento da linguagem... Essas coisas todas, são as ONGs que estão fazendo esse trabalho na comunidade. O que tem que quebrar agora é o preconceito. Um exemplo. A gente tinha uma parceria com Gramado (festival de cinema), na Mostra de Favelas. Eu até achei estranho, uma mostra de favelas, mas tudo bem. Mandamos vários filmes pra lá. E só foram aprovados filmes com temas de violência, miséria e tráfico. Tinha um filme lindo, chamado "Até o Fim", que ganhou prêmios e fala de amizade, que não passou. Como não passou? É como se a favela só tivesse autoridade para falar daquilo que lhe pertence. Não pudesse falar de outras coisas. Tem um universo de coisas a serem ditas e, nesse contexto, o terceiro setor tem dado uma contribuição.

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