BEATRIZ CERBINO: FOCO NA PRODUÇÃO E NA RECEPÇÃO
FOTO MARINA CAVALCANTE
Por Rafael Rodrigues
Com voz plácida, a professora do curso de Produção Cultural da Universidade Federal Fluminense (UFF) Beatriz Cerbino se posiciona diante de uma daquelas questões aparentemente insolúveis: o que é arte e o que não é? Sem espanto, defende não ser possível dizer isso apenas na esfera da produção. Os olhares de quem se apropria de uma manifestação qualquer são decisivos em busca da resposta. E o desafio, aí, se torna a educação do olhar.
Como docente dos módulos de dança na graduação da UFF, Beatriz se depara com certa frequência com esse tipo de questionamento. Mas não se abate diante deles. Prefere convidar os alunos - e quem mais aparecer - para discutirem e construírem saberes. Nesse processo, a dança se transmuta em muito mais do que um par de sapatilhas de ponta.
Neste bate-papo, após a palestra no Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, Beatriz conta como lida com as pré-concepções que envolvem o aprendizado em dança. Confira trechos.
Pergunta - Você falou na palestra sobre uma mudança de paradigma que está sendo incorporada às práticas docentes: o corpo como suporte de grandes (e pequenas) questões). Isso já atingiu, de forma mais ampla, o circuito da dança? Os alunos, outros professores? Ou ainda existe a visão de que a dança é algo que pode ser catalogado num primeiro olhar?
Beatriz Cerbino - Na verdade, é um processo, que vem acontecendo ao longo do tempo até pelo próprio olhar que vem sendo construído. É uma construção de quem olha e de quem elabora esses textos visuais. Acho que é muito uma ideia de disponibilizar, ou de estar disponível, melhor falando. Seja para produzir essas obras em que não há uma receita - nada contra, não estou dizendo que é bom ou ruim - mas que apresentem outras formas de organização do corpo. E principalmente (a disponibilidade) de quem olha. Esse é um grande papel do educador de dança hoje: mostrar para as pessoas e para ele também que estar disponível é estar aberto a outros tipos de informação. E entender que a dança não é no singular, mas no plural. Não sei se estou respondendo quando você fala de mudança de paradigma, mas acho que é uma mudança em relação à própria arte. Essa questão de "isso não é dança?" também se aplica à arte, quando a gente fala de arte contemporânea.
Pergunta - Há ainda um certo abismo? Por que os alunos chegam com pré-concepções, do tipo "isso é ou não teatro" e assim por diante. E o que "não é" me é alheio, eu não quero.
Beatriz - É o que não está nem em uma área, nem em outra, fica transitando. É muito mais fácil dizer o que "não é".
FOTO MARINA CAVALCANTE
Pergunta - Como é que vocês lidam com esses conflitos?
Beatriz - Certamente não é fácil mostrar que as coisas não tem que ser só de um jeito. Ou não trabalhar apenas com preconceitos, com ideias preestabelecidas. É exatamente o lugar, como a Lúcia (Matos, professora da Escola de Dança da Universidade Federal da Bahia) de instabilidade o tempo todo. Mas é também - e aí eu falo do lugar do docente - possibilitar a construção de outras identidades para a dança. Isso é que é o grande barato. A dança não tem só uma identidade, tem várias identidades. E quanto mais isso isso vai ficando claro, mais essa necessidade de denominar, de definir, vai se estreitando. Quando você pensa em "definir", é dar fim à alguma coisa. E quando você define dança, em tese você dá fim àquela produção. E isso para a dança é terrível. Quanto mais indefinida ela ficar, maior será sua riqueza. E não penso só em dança contemporânea, mas em todos os tipos de dança. Quando a gente olha hoje o trabalho de Lia Rodrigues, Bruno Beltrão, aqui no Brasil, é muito saudável. No momento em que a gente parar de olhar para essas questões, vamos chegar num lugar de conformidade que, para a arte, acho que é... terrível!
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