sábado, 7 de agosto de 2010

Territórios de incerteza


ANA MARIA QUER LEVAR A DÚVIDA AO ESPECTADOR
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

Que espécie de artista propõe ao espectador de uma exposição sentar num banquinho e vislumbrar a paisagem enquadrada nas janelas, como se estivesse num saguão de aeroporto, por exemplo? A paulista Ana Maria Tavares é dessa linhagem de provocadores. Provocadores por imaginarem o espaço expositivo como ponto de partida de "desajustes": um lugar que parece outro, esculturas que nada mais são que peças de design, sons que evocam outras temporalidades.

Esses fluxos, diz a artista, permitem ao sujeito indagar a si próprio que papeis desempenha no mundo. E conferem ao artista visual o status de um investigador de experiências. Não é pouca a ambição dessas propostas, mas Ana Maria Tavares as abraça de forma resoluta. No Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, ela mostrou alguns dos resultados de sua trajetória. Em seguida, nos concedeu entrevista. Confira alguns momentos.

Pergunta - Na sua apresentação, você demonstrou atenção para os detalhes, coisas que estão para além do que a gente vê. Para as linguagens que possam dar suporte ao trabalho visual. A música, por exemplo. Essa tua preocupação amplia os seus horizontes como artista? Isso se tornou uma preocupação essencial para você?

Ana Maria Tavares -
Se tornou sim, claro, mas não por essas motivações que você fala. Na verdade, se trata de criar uma obra que possibilite uma experiência mais complexa e completa. A obra nunca é puramente visual. Eu quero me distanciar do puramente visual. A experiência da arte é como a experiência do mundo: ela é complexa, com todos os sentidos. Se privilegiar a visão em detrimento dos outros sentidos é limitante. O uso do áudio, da experiência sonora no trabalho, é exatamente para possibilitar os deslocamentos que a obra propõe tornar parte da experiência do sujeito. A experiência de suspensão de que estou falando ela se dá muito a partir da experiência do áudio. Quer dizer: onde você está? Se já visualmente você não reconhece as obras como obras - elas parecem com objetos de design - se o museu não é mais reconhecido como museu, porque ele é um porto, a música também, o som não corresponde àquilo que estou vendo. O som diz: "estou dentro de um aeroporto, estou dentro de um avião", e o que você vê não corresponde ao que se ouve. Então, essas trocas, esses desajustes, o que eu chamo de experiência de rotação, é que vão propiciar uma indagação do sujeito para ele mesmo. "Onde eu tô, o que eu tô fazendo aqui e o que faço agora?" Acho que a obra, em si, pretende fazer perguntas para que você mesmo seja capaz de fazer perguntas.

Pergunta - Vejo que você problematiza muito o espaço expositivo. E com essa sua fala, isso parece ser parte dessa preocupação maior de "balançar" o espectador.

Ana -
Desestabilizar.

Pergunta - Como você começou a dessacralizar o espaço do museu como um lugar para pendurar quadro?

Ana -
Eu acho que é parte do meu questionamento esse questionamento das verdades, das convenções. Se eu tomo a obra como design, por exemplo, se propositadamente assumo o design, essa referência, é na obra que eu vou conseguir um espaço de dúvida. A arte não tá querendo criar o território da certeza, mas o território da dúvida, da incerteza. O próprio museu se coloca em xeque. Parte da tarefa do artista é questionar a instituição, a sua prática, o sistema. Acho que nos exemplos que dei, de mais de 10 anos atrás, é o início desse pensamento. É quando faço essa superposição entre as questões da contemporaneidade e os conteúdos e a história do lugar.

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