quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Pelo direito de existir e se fazer ouvir

FAUSTINI FALOU DA EXPERIÊNCIA DA ESCOLA LIVRE DE CINEMA
FOTO MARINA CAVALCANTE

Por Rafael Rodrigues

A empolgação e a eloquência de Marcus Faustini ao falar de seus projetos servem como cartão de visita deste carioca. Não só. São portas de entrada para plateias - como a do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas - a um universo em que termos da moda como "protagonismo juvenil" são ressignificados de forma radical.

O que dizer, por exemplo, da Escola Livre de Cinema de Nova Iguaçu - projeto do qual é mentor? O concorrido centro de formação faz dos alunos (e de suas ideias) artífices do empoderamento pela arte. Coisa que o próprio Marcus viveu em anos militando no movimento estudantil, no teatro e no audiovisual.

Faustini gosta de usar o verbo "operar" para designar esse delicado processo, em que pessoas encontram a própria voz, ou as próprias imagens, em meio a representações costumeiramente redutoras: o "favelado de bom coração", o "bandido", o funkeiro. Nosso entrevistado desafia com elegância essas convenções. Desfila termos que a alguns ouvidos, talvez sugiram um jargão acadêmico desconectado da realidade. Mas dribla as armadilhas. Primeiro, pelo currículo, que inclui duradouros projetos em zonas periféricas - a Escola Livre de Cinema como o principal deles - e um trânsito no mainstream, que inclui projetos com atores de televisão conhecidos e um blog no portal O Globo. Nada que ele negue ou se arrependa. Pelo contrário: para ele, são esses fragmentos que, venham de onde vierem, constituem peculiariadades. E podem nos levar muito longe.

Confira trechos do bate-papo que tivemos com Marcus Faustini.


Pergunta - Quais são os bastidores dessa mudança de um modelo de educação em que o conhecimento é repassado pronto ao aluno, para outro em que ele é ator do próprio conhecimento?

Marcus Faustini - As pessoas da periferia tinham sede de se verem representadas. Mas entendemos que elas não são erramentas de mensagens do mundo. O cara da periferia não se limita às representações que costumamos ver, como a ideia de que, apesar de pobre, ele é um cara bacana. Isso é querer ver uma essência no cara da favela. Queríamos extrapolar essa ideia do essencialismo, que em filosofia já está superada. Foi por achar que o homem tem essência que o nazismo surgiu. Não estamos preocupados com a essência, o homem simplesmente existe! Não se pode achar que a favela é uma coisa só. Na favela onde eu cresci, o Cesarão (no Rio de Janeiro), exista a Zona Norte a Zona Sul. Não dá para achar que favela é tudo igual. A favela não pode ser mais vista como um tema. A favela precisa ser vista como um suporte. Um suporte para diversos tipos de arte. Queremos dar ferramentas para os alunos operarem o mundo, buscando referências diversas para construir suas subjetividades. A partir disso fomos desenvolvendo metodologias e estratégias para facilitar isso. Essa é uma parte dos bastidores. Nós somos muitos, muitos trabalhando essa ideia. Há 20 anos estamos buscando essas estratégias.


Pergunta - É uma espécie de empoderamento.

Marcus - É também um empoderamento, porque permite que cada um se veja capaz de contar as próprias histórias, tendo meios para fazer isso.

Pergunta - Queria falar das resistências a esse projeto. Como levar essas ideias a alguém que vive sob a influência da indústria cultural e assiste, digamos, seis horas de televisão por dia?

Marcus - Não sou contra a indústria cultural. A gente incorpora essa realidade nas práticas da Escola. Tivemos um aluno que queria fazer um filme sobre Charles Bronson (ator norte-americano). Ele fez um filme sobre Charles Bronson, com a diferença de que mostramos para ele outros exemplos de onde um personagem como ele estava presente em outros filmes, como Acossado (de Jean Luc Godard). Buscamos ampliar o repertório. Isso é algo muito importante. É preciso pensar sempre em repertório. Na Escola, os alunos tem acesso a isso para elaborar suas próprias produções. Vamos fazer um vídeo feito apenas de colagens de outros vídeos, postados no Youtube. Os alunos vão vasculhar em busca das imagens que precisam.

Pergunta - Como foi a sua transição para ocupar um cargo público?

Marcus - Fui secretário de Cultura de Nova Iguaçu, mas não deixei de ser artista. Eu ia trabalhar com sapato de palhaço, eu não tinha gabinete. Na minha gestão, implementei Conselho de Cultura, chamamos os jovens para discutir. Hoje Nova Iguaçu é a única cidade do Rio de Janeiro que tem um Fundo Cultural. Tenho orgulho desse trabalho. Hoje estou na Secretaria de Direitos Humanos e vamos implementar, futuramente, nosso projeto nas UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro. Queremos mudar o nome das UPPs para Unidades de Políticas Públicas.

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