ZÉ FERNANDO AZEVEDO: "O MESMO TEATRO QUE SE INTERROGA PELO SENTIDO DO ESTADO PRECISA DELE"
FOTO MARINA CAVALCANTE
Por Rafael Rodrigues
José Fernando Azevedo subiu ao palco do teatro do Centro Cultural Dragão do Mar achando que falaria do teatro brechtiano. Mandou o protocolo às favas e desenvolveu uma aguda reflexão sobre os limites do modelo de teatro de grupo, a partir das discussões anteriores do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas. Com um tantinho de mea culpa, talvez reflexo da lucidez com que trata do tema, o dramaturgo, diretor e professor da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo disse enxergar um ponto de "limite" na prática desses grupos teatrais, que tem a ver com o momento do país e também com o modelo de fomento por eles adotado.
Cinco grandes questões balizaram a fala do estudioso. A saber: qual a relação entre o teatro que se vê e o desejo de fazer teatro? Qual a relação entre o teatro feito e o teatro ensinado? O que uma escola de teatro deve ensinar? De que teatralidades estamos falando? Como "cavar" experiências no teatro?
Assim, com mais perguntas que respostas, Fernando ousou propor a revisão daquilo em que ele mesmo está inserido. Após a palestra, ele conversou com o blog. Veja alguns trechos.
Pergunta - Você tratou na sua palestra de cinco grandes questões, relativas tanto ao teatro que se faz quanto à prática docente na graduação em teatro. Ao buscar respostas a essas questões, como isso interfere na sua prática docente e no seu fazer teatral, já que você é dramaturgo e tem uma companhia de teatro?
José Fernando Azevedo - Acho que a grande questão é conseguir mostrar, no processo formativo, que o teatro é uma relação de fazer, e que esse fazer tem uma inscrição histórica, se dá na história. Ele não é só processo, no sentido do que dá origem a um espetáculo. Ele está inscrito num processo que é maior que ele, e a cada momento dessa história o teatro responde de uma forma diferente às perguntas que a experiência coloca. Acho que conseguir mostrar isso, numa aula que seja, abre a porta para a experiência efetiva, a experiência da cidade. E acho que fazer teatro, seja na minha experiência como dramaturgo ou diretor, a questão é precisamente essa: tentar estar aberto e ser capaz de olhar a cada momento para as perguntas que a experiência impõe e conseguir devolver perguntas a essa experiência. Complexificar esse processo.
Pergunta - O modelo de teatro de grupo se esgota na hora de dar conta dessa complexidade de que você fala? De apreender essas grandes questões que surgem e devolvê-las? Há um entrave aí?
Fernando - Eu não usaria essa expressão "se esgota". Eu continuo fazendo teatro a partir da experiência do grupo. Talvez não exista outro modelo. Talvez a experiência do grupo se renove e novas formas de agrupamento talvez apareçam. O que eu acho é que o modelo que nós seguimos, de organização do grupo, que tem a ver com a manutenção, continuidade, esse modelo que devolve o grupo de uma maneira bastante restrita à política - porque política se torna conseguir financiamento, se manter, produzir editais - este modelo tem revelado limites. E nós não conseguimos outras formas de vinculação com a cidade, com a sociedade, para além desses modelos. Tenho a impressão de que a gente vive um momento - e é isso que eu chamo de limite - que exige pensar outras formas de vinculação com a cidade, com o público, e portanto outras formas de manutenção. A questão econômica se impõe. Agora, este teatro de grupo, que ao discutir a sua condição, se interroga pelo sentido do Estado, é também um teatro que, a cada quatro anos tem que adequar aquilo que imagina que deva ser o Estado a um programa provisório ou efetivo de governo. Essa adequação é que nos impõe limites.
Pergunta - E ela (essa adequação) é paradoxal.
Fernando - Ela é mais do paradoxal, ela é interna àquilo que a gente faz. Ela se revela naquilo que a gente faz. É constituinte. Então a gente precisa reconhecer essa contradição, que nos faz existir, porque precisamos dessas alternativas, mas ao mesmo tempo reconhecê-la significa também se perguntar o que isso nos permite imaginar para além do que está aí. Acho que a gente vive um momento em que é difícil imaginar para além do que a gente vê. E isso é um problema.
Pergunta - Você acha que o público consegue vislumbrar essa discussão, ou fica indiferente a isso?
Fernando - Acho que o público não é uma abstração. O teatro de grupo, e esses grupos, eles se formam na medida em que formam um público. Portanto, é quase uma relação de vinculação. Às vezes, o público de um grupo de teatro é quase uma torcida de futebol. (ri) Essa dimensão do público pressupõe a capacidade que esse público tem de se vincular com uma parte da cidade. Nesse sentido, acho que este público está em relação com as discussões que esses grupos são capazes de fazer. em algum lugar, o estágio de recepção denuncia o estado de produção. Essas coisas estão juntas, não são separadas.
José Fernando Azevedo subiu ao palco do teatro do Centro Cultural Dragão do Mar achando que falaria do teatro brechtiano. Mandou o protocolo às favas e desenvolveu uma aguda reflexão sobre os limites do modelo de teatro de grupo, a partir das discussões anteriores do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas. Com um tantinho de mea culpa, talvez reflexo da lucidez com que trata do tema, o dramaturgo, diretor e professor da Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo disse enxergar um ponto de "limite" na prática desses grupos teatrais, que tem a ver com o momento do país e também com o modelo de fomento por eles adotado.
Cinco grandes questões balizaram a fala do estudioso. A saber: qual a relação entre o teatro que se vê e o desejo de fazer teatro? Qual a relação entre o teatro feito e o teatro ensinado? O que uma escola de teatro deve ensinar? De que teatralidades estamos falando? Como "cavar" experiências no teatro?
Assim, com mais perguntas que respostas, Fernando ousou propor a revisão daquilo em que ele mesmo está inserido. Após a palestra, ele conversou com o blog. Veja alguns trechos.
Pergunta - Você tratou na sua palestra de cinco grandes questões, relativas tanto ao teatro que se faz quanto à prática docente na graduação em teatro. Ao buscar respostas a essas questões, como isso interfere na sua prática docente e no seu fazer teatral, já que você é dramaturgo e tem uma companhia de teatro?
José Fernando Azevedo - Acho que a grande questão é conseguir mostrar, no processo formativo, que o teatro é uma relação de fazer, e que esse fazer tem uma inscrição histórica, se dá na história. Ele não é só processo, no sentido do que dá origem a um espetáculo. Ele está inscrito num processo que é maior que ele, e a cada momento dessa história o teatro responde de uma forma diferente às perguntas que a experiência coloca. Acho que conseguir mostrar isso, numa aula que seja, abre a porta para a experiência efetiva, a experiência da cidade. E acho que fazer teatro, seja na minha experiência como dramaturgo ou diretor, a questão é precisamente essa: tentar estar aberto e ser capaz de olhar a cada momento para as perguntas que a experiência impõe e conseguir devolver perguntas a essa experiência. Complexificar esse processo.
Pergunta - O modelo de teatro de grupo se esgota na hora de dar conta dessa complexidade de que você fala? De apreender essas grandes questões que surgem e devolvê-las? Há um entrave aí?
Fernando - Eu não usaria essa expressão "se esgota". Eu continuo fazendo teatro a partir da experiência do grupo. Talvez não exista outro modelo. Talvez a experiência do grupo se renove e novas formas de agrupamento talvez apareçam. O que eu acho é que o modelo que nós seguimos, de organização do grupo, que tem a ver com a manutenção, continuidade, esse modelo que devolve o grupo de uma maneira bastante restrita à política - porque política se torna conseguir financiamento, se manter, produzir editais - este modelo tem revelado limites. E nós não conseguimos outras formas de vinculação com a cidade, com a sociedade, para além desses modelos. Tenho a impressão de que a gente vive um momento - e é isso que eu chamo de limite - que exige pensar outras formas de vinculação com a cidade, com o público, e portanto outras formas de manutenção. A questão econômica se impõe. Agora, este teatro de grupo, que ao discutir a sua condição, se interroga pelo sentido do Estado, é também um teatro que, a cada quatro anos tem que adequar aquilo que imagina que deva ser o Estado a um programa provisório ou efetivo de governo. Essa adequação é que nos impõe limites.
Pergunta - E ela (essa adequação) é paradoxal.
Fernando - Ela é mais do paradoxal, ela é interna àquilo que a gente faz. Ela se revela naquilo que a gente faz. É constituinte. Então a gente precisa reconhecer essa contradição, que nos faz existir, porque precisamos dessas alternativas, mas ao mesmo tempo reconhecê-la significa também se perguntar o que isso nos permite imaginar para além do que está aí. Acho que a gente vive um momento em que é difícil imaginar para além do que a gente vê. E isso é um problema.
Pergunta - Você acha que o público consegue vislumbrar essa discussão, ou fica indiferente a isso?
Fernando - Acho que o público não é uma abstração. O teatro de grupo, e esses grupos, eles se formam na medida em que formam um público. Portanto, é quase uma relação de vinculação. Às vezes, o público de um grupo de teatro é quase uma torcida de futebol. (ri) Essa dimensão do público pressupõe a capacidade que esse público tem de se vincular com uma parte da cidade. Nesse sentido, acho que este público está em relação com as discussões que esses grupos são capazes de fazer. em algum lugar, o estágio de recepção denuncia o estado de produção. Essas coisas estão juntas, não são separadas.
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